domingo, 4 de julho de 2010

A Importância Socioafetiva do Recreio


Rosemary Kaspary
Supervisora Educacional

O recreio, como relato de experiência, se deu por considerar que este momento, tão esperado no dia a dia da escola, possui componentes importantes para o exercício da cidadania, da aprendizagem informal e prática de atividades físicas de forma descontraída, exercitando o corpo, o respeito e a convivência social, onde a escola é o primeiro local desta interrelação na vida do ser humano.

Aprendendo a Conviver Socialmente
No pátio da escola, mais precisamente no recreio, existe uma convivência cultural onde os sujeitos se socializam entre si, com suas diferentes formas de organização espaço culturais.
Não há muitos trabalhos desenvolvidos com o objetivo de problematizar o recreio escolar, o qual, se comparado com outras temáticas pedagógicas, institucionais ou curriculares da escola, parece ter sido menosprezado. Parece também que este espaço é entendido como um momento que serve de intervalo para a rotina escolar entre as horas de aulas disciplinares, um período que as crianças não estão sob o controle dos adultos.( WENETZ, 2005).
A palavra recreio vem do latim (recreare) que significa divertir, causar alegria, prazer ou brincar. LUFT (2000) refere-se ao recreio como lugar próprio para recrear,
divertimento, prazer.

"Bom era o que tínhamos. Um quintal pequeno,torto, barulhento escorregadio e coberto. Sobrevivemos a ele; hoje damos risadas. Mas nos faltaram muitas referencias, muitos sonhos a céu aberto, luz, sol e espaço. Nos faltou a coragem para correr, brincar sem ter medo de escorregar". (CARVALHO, 2002 P.11)

A criança que permanece durante quatro horas em sala de aula, em atividades cognitivas, tem apenas quinze ou vinte minutos de atividade lúdica e de socialização onde também aprende a conviver, se expressar e relacionar-se com seus pares, sendo, muitas vezes, o único espaço que tem para aprender o exercício da cidadania, respeito ao próximo e a livre expressão corporal informal.
Há que pense que o recreio não seria necessário existir, pois os educandos ficam “muito agitados” e o restante do turno torna-se improdutivo, pois o professor tem dificuldade em “dar aula com tranquilidade”.
Mas é neste espaço que a aprendizagem relacional se intensifica. Se os adultos contribuem como parceiros desta ação, orientando na convivência dialógica, o resultado interfere automaticamente nas atividades do cotidiano escolar e social.

Estando os alunos sob responsabilidade da Instituição, também durante os intervalos ou recreio, esses momentos podem se transformar em excelentes oportunidades para os educadores conhecerem melhor os educandos, assim como para exercerem a sua função educativa.(GOUVÊA,2003).

O recreio tem algumas particularidades que identificam cada comunidade escolar. Cada escola adapta à sua realidade este momento de lazer, orientando as atividades através de profissionais, estagiários, amigos da escola, grêmio estudantil ou simplesmente deixando que os próprios educandos criem seu lazer. Caracterizado por conter em seu espaço, quadras, bancos, pracinha, cantina, espaços vazios, etc., onde crianças e adolescentes correm, brincam, jogam, conversam, leem, comem seu lanche, enfim, cada um ou cada grupo misturado ou separado por gênero, realizam atividades das mais diversas.
A quadra, há uns anos atrás, era ocupada por meninos, já que o futebol era um esporte praticado em sua maioria pelo sexo masculino. Hoje as meninas praticam com tanta frequência quanto seus colegas. Claro que numa proporção menos agressiva que o jogo causa quando realizado por eles. Numa gestão democrática, onde se prioriza o diálogo e respeito pelos seus pares, nada mais justo que trabalhar as relações de convivência para que todos, independentes do gênero e suas particularidades, possam usufruir de maneira justa e coletiva. Se for do interesse de todos aproveitarem este espaço, também é direito da maioria ocupar toda a área disponível. Nesta condição todos aprendem a conviver socialmente e respeitar as diferenças.
A gestão democracia supõe uma convivência dialógica, onde pensamentos distintos devem ser levados em consideração, já que a atualidade não permite que o domínio autoritário se fortaleça através da submissão em massa.
A Constituição Federal estabelece a Gestão Democrática do Ensino, garantindo o direito a participação na construção de uma educação mais humana e autônoma, exercendo a cidadania das pessoas envolvidas.
O gestor democrático compartilha o poder, incentivando o diálogo com a comunidade que está incentivada, atendendo aos interesses da coletividade usando o bom senso em suas atitudes a fim de provocar no educando o gosto pela escola, evitando ou mesmo diminuindo o stress emocional causado pela teoria de conteúdos que faz parte do cotidiano da aprendizagem.
Ter habilidade em administrar conflitos e respeitar as diferenças, pluralidade cultural e dignidade, são os meios pelos quais o diretor alcançará o objetivo social a que se propõe em seu trabalho como gestor democrático.
O bom senso não significa dar total liberdade sem responsabilidade, pois o ser humano precisa aceitar de forma consciente as atribuições que lhe são confiadas a fim de crescer com independência crítica e construtiva.
A educação que respeita seus participantes, sua individualidade e suas ansiedades, tem como retorno a colaboração e participação no processo construtivo do aprender, resultando o acesso e permanência na escola.
Para que este espaço escolar se torne um atrativo recreativo e cultural são necessárias algumas estratégias na construção segura e comprometida por todos os seus participantes. Saber ouvir as opiniões e solicitações, mostrar a importância da responsabilidade no papel de cada um para o bom andamento das novas estratégias que envolverá esta integração, tornará o espaço e tempo a forma prazerosa da integração e sociabilidade, resultando num ambiente envolvente e almejado por todos, sem abrir mão da qualidade no ensino.

Na Legislação, o recreio e os intervalos de aula são horas de efetivo trabalho escolar, conforme conceituou o CNE, no Parecer CEB nº 05/97:“As atividades escolares se realizam na tradicional sala de aula, do mesmo modo que em outros locais adequados [...].O fato do recreio ser considerado “efetivo trabalho escolar”.(GOUVÊA, 2003).

O recreio sempre foi um curto, mas almejado espaço, onde educandos e professores poderiam compartilhar, dialogar e relacionar-se como ser coletivo que necessita esta prática para seu desenvolvimento pessoal e social.
Se o melhor horário da escola é o recreio, por que não torná-lo parte integrante de nosso Projeto Político Pedagógico? Se nosso objetivo na educação é a formação de cidadãos críticos e construtivos, capazes de crescerem autônomos na tomada de decisões, transformando as relações interpessoais mais humanas, onde o respeito pelos seus pares possa contribuir para uma sociedade menos violenta e mais feliz, por que não iniciar esta caminhada no dia a dia da escola.
Trabalhando como gestora em escola pública, o horário do recreio sempre foi um momento de preocupação. Aqueles quinze minutos “pareciam não passar nunca”. Havia muita correria, brigas e pior, com apenas uma quadra esportiva, somente os mais “fortes” a usufruíam. Aos demais restava sonhar em poder, algum dia, brincar naquele espaço... Muitas foram as tentativas de evitar que alguns não se tornassem excluídos, mas tivessem a mesma oportunidade sem levar em conta a “habilidade superior” de poucos. Montou-se um esquema, onde a quadra era dividida por grupos em cada dia da semana. Contudo o problema não se resolveu, pois o grupo dominante que jogavam sempre, era o mesmo causador da indisciplina quando não estavam na quadra. Portanto era necessário mais do que dividir o espaço de forma democrática. Tinha que ocupar aqueles educandos “agitados”. Foi então que o diálogo informal, durante o recreio, se fez presente para descobrir os anseios e expectativas. Alguns gostavam de música, outros já preferiam os jogos de mesa, também a leitura tinha seus encantos aos mais introvertidos. Só que os quinze minutos não eram suficientes para este momento de aprendizagem relacional. Cada um tinha que ir ao banheiro, comer seu lanche... E o momento da conversa e da brincadeira seria quase inexistente!
As relações humanas iniciam na escola, principalmente quando esta se localiza em zona rural. A distância entre os vizinhos é muito longa. Chega, muitas vezes, a percorrer a distância de um a sete quilômetros entre si. Na zona urbana, a violência cada vez mais presente, a informática e a redução da prole nas famílias tem mantido a distância neste relacionamento social fora da escola. Por isso tem se tornado um ambiente de encontros e troca de experiências no cotidiano social. É neste espaço que os educandos formam sua postura social futura.
Se a educação não proporcionar esse diferencial de crescimento pessoal e cultural, o educando acaba sendo o depositário de conteúdos estáticos e fragmentados.
Ao deparar-se com a necessidade de fazer da escola, também, um ambiente socializador, poderá contribuir para uma aprendizagem socioeducativa com as diferentes faixas etárias, trocando experiências das mais diversas dimensões lúdicas e culturais.
Já foi comprovado que o cérebro não consegue captar informações de forma integral após duas horas de concentração ininterruptas, quanto mais sendo estendido este tempo para 4h/a.

Recreio Prolongado: Melhorando as Relações Humanas
Com a experiência do recreio prolongado, as brigas terminaram, as amizades se ampliaram e o aproveitamento e rendimento escolar tornaram-se significativos, influenciando diretamente no comportamento geral dentro e fora da escola. Os educandos tiveram suas atitudes indisciplinadas amenizadas, os professores trabalharam com mais empolgação, pois ao encerrar o período do recreio ninguém solicitava mais tempo, pois a nova consciência e responsabilidade faziam parte da combinação realizada em plenário. O que antes era problema (voltar à sala de aula) agora se tornara compromisso satisfatório de todos.
Tornar a escola um ambiente onde a quantidade de conteúdos é mais importante que a qualidade das relações que envolvem os sujeitos nela inseridos, faz com que a teoria não esteja em concordância com a prática. O velho discurso “faça o que eu digo...” impõe um autoritarismo burocrático que foge dos objetivos da Pedagogia da Autonomia, onde “ensinar exige respeito, ética, bom senso, humildade, generosidade carinho, comprometimento, alegria, esperança e diálogo” por parte daqueles que são os norteadores de um futuro educativo mais humano.
O que presenciamos, de um modo geral, são recreios agitados e muitas vezes impraticáveis. Mas será que os educandos estão correndo tanto para ter a sensação de estar aumentando o seu tempo? Parece que correndo muito, chega-se mais rápido a um lugar e ao mesmo tempo, podem-se explorar muitos lugares em pouco tempo! “Se este tempo, cronometrado, é curto, então vamos correr muito para aproveitar tudo! Mas, se a escola dá o tempo suficiente para explorar meu espaço, brincar e me relacionar com os demais, para que vou correr tanto?!”
Certamente a palavra “correr” no texto quer dizer:correr para aproveitar tudo em pouco espaço de tempo... e não correr como exercício aeróbico.
Para que o gestor tenha sucesso nesta proposta é necessário, antes de tudo, dialogar, descobrir com sua clientela as reais necessidades e aspirações sobre seu papel na sociedade escolar, transformando o ambiente num local de confiança e cumplicidade educativa, onde todos tem um mesmo fim: a Educação Cidadã.

Referências:
CARVALHO, A.F.Escolas, Espaços e Pessoas.São Paulo: Cedac,2002
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. 35ª ed.São Paulo:Paz e Terra,2007
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO.Recreio como Atividade Escolar.Distrito Federal:CNE,2003
PROGESTÃO.Como Promover, Articular e Evolver a Ação das Pessoas no Processo de Gestão Escolar?Brasília:Consed,2001.
WENETZ, I.As Relações de Gênero no Espaço Cultural do Recreio.Revista Digital,2005.

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