domingo, 5 de março de 2017

TRANSIÇÃO DO 5º PARA O 6º ANO

Novos espaços, novos amigos, nova grade curricular, novas exigências, novos professores e, especialmente, uma mudança profunda – a entrada na adolescência: estes são alguns dos ingredientes de uma das mais importantes fases da escolaridade, a transição do 5º para o 6º ano do Ensino Fundamental.
“A puberdade psíquica começa por volta dos 10 anos, quando têm início as modificações corporais. Simultaneamente a ela, a criança passa por uma completa reestruturação de seu mundo externo. A entrada 6º ano marca uma mudança completa no sistema psicopedagógico, oprimido por uma dupla transformação estrutural e ainda desesperado psicologicamente, a criança não consegue acompanhar os estudos”. (Içami Tiba).

A entrada para o 6º ano representa o desejo de crescer e conquistar a nova identidade social. O espaço, ao qual a criança necessita se adaptar, é um ambiente onde uma abundância de emoções, movimentos, sons se misturam, constituindo uma vida escolar diferente da anterior.
Esta passagem é apresentada pela literatura como um momento de transições e adaptações difíceis para o estudante; assemelha-se aos ritos de passagem indígenas, ou seja, às cerimônias que marcavam a passagem do indivíduo de uma fase do ciclo para outra. Para preparar os alunos, a escola deve tratar o tema como um verdadeiro ritual de passagem.
Os pais geralmente se preocupam com a adaptação na Educação Infantil, porém, os cuidados devem ser redobrados entre o 5º e os 6º ano. Muitos estudantes que nunca enfrentaram dificuldades de aprendizagem passam a enfrentar, devido a um verdadeiro choque cultural que existe entre as etapas.
O ritual de passagem pode incluir trabalhos realizados com os estudantes e com os pais. Com os pais organiza-se palestras que abordem questões pedagógicas, os dilemas vividos pelos adolescentes, a formação de valores, as novas concepções de ensino, o trabalho com limites, entre outras questões. Com os alunos, por sua vez, ao longo da do 5º ano, proporcionar um processo contínuo de aproximação com as turmas das séries seguintes. Muitas vezes, os alunos do 5º ano temem os “grandes”, ao mesmo tempo que desejam alcançar o mais rápido possível a nova etapa. Para diminuir a ansiedade e os temores, a Escola pode colocar os alunos em contato frequente com as turmas do 6º ano, com os quais podem fazer diversos projetos conjuntos. Os alunos do 6º ano podem preparar materiais para os alunos do 5º, mostrando as diferenças entre as duas etapas escolares.
A partir do 6º ano pode-se desenvolver diferentes projetos que levam os alunos a entrar com mais tranquilidade na adolescência, entre eles o projeto “De bem comigo, de bem com a vida”, no qual abordam com naturalidade várias questões dessa etapa da vida, como a sexualidade.
Os pedagogos devem manter-se próximos dos alunos e estabelecer um apoio real para suas dúvidas e ansiedades. Tratando com igual cuidado das diferentes transições que existem na vida escolar, a escola conseguirá um excelente resultado pedagógico e conquistará a parceria da família na formação de valores.
As crianças iniciam-se no mundo dos adultos, mas ainda não tem a maturidade dos adultos. Então surgem muitos questionamentos:

“Será que o 6º ano é mais difícil?”
No 5º ano se percebe uma preocupação com o que vai acontecer no próximo ano. 
Para eles a escola é uma unidade (um espaço único). Vir para a aula e para a escola é a mesma coisa. Entretanto, os do 6º ano percebem a escola e a aula de maneiras distintas. Cada um desses espaços assume um significado próprio. Até o 5º ano um professor é o responsável por tudo que ele fizer. No 6º ano percebem que é possível ficar na escola sem um adulto responsável em algum momento. É  frequente a combinação de encontrar amigos no turno inverso da aula. A diferença entre o espaço da escola e o da sala de aula geram alterações na forma como os estudantes percebem as atividades propostas pelos professores. Nos outros espaços (pátio e corredor), os alunos tem maior autonomia. O espaço fora da sala de aula passa a ser um lugar onde encontram amigos. Ao solicitarem aula no espaço externo, sentem-se mais à vontade para conversar e agir de forma mais espontânea, revivendo o tempo em que tinham essa “liberdade” assistida.

“Quando a gente tiver cansado de um professor vem outro!”
Durante o 5º ano, é enfatizado sobre a existência de períodos. Baseados em experiências pessoais ou de colegas, os estudantes dizem: “Eu acho que eu não vou me acostumar. A preocupação em saber os nomes dos professores é substituída por saber qual é a disciplina desenvolvida por esse professor. Surgem então “o sor” de história” e “a sora de geografia”.

“Hoje a professora é como uma mãe, depois...”
A partir dos inúmeros cuidados e alertas em relação à nova organização do ensino, os estudantes acabam construindo a visão de que “Hoje a professora é como uma mãe, depois não vai ser assim”. Já começam a se preparar para lidar com professores que não estarão disponíveis para eles. A professora do 5º ano sabe muito sobre a individualidade dos seus pequenos, prática que, dificilmente acontece no 6ª ano, já que os professores tem, em média, mais de duzentos alunos (numa mesma escola!). Com objetivos diferentes, os professores percebem-se lidando com um grupo imaturo e despreparado nesta primeira fase de transição. Frases como: “Tu dá uma virada para o quadro e quando percebe tem um grupo batendo figurinha!”


“Ele está sempre fazendo isso. Sempre matando aula, sora!”
Um maior sentimento de liberdade, vivido pelos alunos no espaço escolar, acaba invadindo a sala de aula. Os alunos sugerem alterações para os professores e correm o risco de não serem atendidos. O espaço fora da aula parece ser mais valorizado pelos alunos da quinta série. Sentindo-se com maior autonomia, os alunos sentem-se, inclusive, com a possibilidade de optar por esse novo espaço. Surge a possibilidade de “matar” as aulas que não são consideradas importantes pelos alunos.

“Sor, vale nota?”
No meio do primeiro semestre da quinta série, os períodos ainda é um fator de preocupação para os alunos. Existe uma tensão para conseguir terminar as atividades no tempo previsto pelo professor. A partir do momento em que os alunos sentirem-se capazes de dar conta da atividade no tempo estabelecido, começam a dirigir sua atenção para a negociação dos aspectos a serem avaliados. Preocupavam-se com as notas de provas e trabalhos, como indicado na situação que segue.

“Os pais abandonam os filhos nesse momento importante!”
Os pais, mesmo preocupados em acompanhar os alunos sem ter um professor como referência, preparam-se para dar mais autonomia para os filhos quanto à vida escolar. É esperado que pais de filhos pré-adolescentes ajam diferentemente do que pais de crianças menores. Há uma preocupação dos pais em não invadir a vida de seus filhos, que começam a tomar conta de si. As práticas da escola, ao mesmo tempo em que valorizam essa atitude, passam a mensagem de que gostariam de ter os pais mais presentes na escola. Os pais mostram-se com vontade de participar da vida dos filhos, mas percebem que atrapalham se ficarem muito presentes na escola. Acabam se afastando, o que não quer dizer que se distanciem dos filhos. Até a quarta série, os pais são considerados colaboradores ativos na aprendizagem dos alunos. Seguidamente, em reuniões de pais é solicitada a ajuda dos mesmos na educação dos filhos. Os pais são convidados a assumirem um novo papel na aprendizagem dos filhos. A parceria dos pais acontece quando são convocados a comparecerem para receber o boletim e entender os motivos que justificam as notas de seu filho por meio do Conselho de Classe.  Em diversas reuniões de professores se ouve a frases como “A família abandona o aluno nesse momento difícil”, indicando que os professores esperam alguma atitude dos pais.  Essas mudanças se refletem nas práticas compondo novas exigências e novos desafios. O 6º ano não é mais difícil, mas no qual estudantes e pais são desafiados a corresponderem com expectativas diferentes. O convívio com os professore gera um campo de estranhamento que logo é compreendido e vivenciado pelos personagens da passagem como um campo de desafio e crescimento.
A experiência de dividir o conhecimento em áreas de ensino gera a sensação de que o 6º ano exige mais dos e que é preciso um empenho muito maior para superá-la. Os estudantes percebem que a brincadeira fica do lado de fora da sala de aula e que o envolvimento e interesse pelo estudo são cobrados como obrigação. Os sentimentos com relação à escola e à sala de aula passam a ser diferentes. Estuda-se na sala de aula e se brinca fora dela. Na escola, além de se ter aulas, surge o espaço para amigos, namoros e brincadeiras sem a supervisão de um professor. Mudam as relações de poder. Sem o professor em sala de aula é possível criar outras regras de convivência entre os colegas. Os colegas tomam conta de territórios antes inexistentes para eles(como o corredor na hora de troca de períodos).  A vida dos adolescentes  é uma gangorra oscilante, devido às mudanças de atitudes. A experimentação de alterações de humor e o contato com diferentes professores permitem construir novas formas de relação com o conhecimento, sentindo-se responsável por sua ação. Com esse movimento, surge “um sujeito que, pelo menos afetivamente, já começa a demonstrar ‘reformulações’ diante do seu grupo familiar e escola. Medos e angústias que antes construíam, se alteram no momento em que se dão conta que poderão encontrar formas de viver nessa nova organização escolar. Esse “novo” espaço de autonomia gera tanto a preocupação com a nota quanto a possibilidade de matar as aulas que não despertam interesse. Essas reformulações indicam a necessidade, constante, de contato entre professores e pais. A possibilidade dos estudantes assumirem as responsabilidades por seus atos pode desencadear um processo no qual  decidem sozinhos que atitudes terão na escola. Assim, os pais não ficam sabendo o que está acontecendo e os professores ficam sem apoio frente às atitudes que estão adotando. Isso desencadeia uma busca por apoio simultaneamente em paradoxo com a mensagem de autonomia dada fortemente pela escola.


FONTE: http://www.scielo.br
Twitter: rosekaspary